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Tempo, espaço, memória

 
 
 
 

                 Ontem é passado, amanhã é futuro e hoje é presente.
            Bosak pergunta (2012, p. 2):
Será possível marcar o tempo? Marcar como? Formatá-lo talvez. A marca é do que (e em quem) acontece num determinado espaço de tempo. A memória é o que recende de um determinado momento do tempo.
 
 
Foi ontem, e é o mesmo que dizermos, foi há mil anos,
o tempo não é uma corda que se possa medir nó a nó,
o tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que
só a memória é capaz de mover e aproximar.
(José Saramago)
 
          Para Delgado (2003, p. 9), o tempo "(...) é uma vivência concreta e se apresenta como categoria central da dinâmica da História". É a partir do tempo que construímos nossas leituras de mundo, tendo como referência diferentes temporalidades e acontecimentos que marcaram nossa própria história.
 

                Além do tempo e da memória interessa-nos também a discussão sobre o espaço social como palco das realizações de grupos sociais diferenciados e divergentes.
          Passeron (1994) define espaço social em contraposição ao espaço cartesiano (no qual o objeto é localizado através de coordenadas fixas).
          De outra parte, o espaço social, envolve a localização dos agentes sociais, num sistema de identidade e volume de acumulação de capital simbólico. Tal acumulação permite distinguir o agente social em seu espaço, suas estratégias de ação e trajetórias sociais.


 
          Na intenção de discutir, problematizar e vivenciar formas distintas de pensar as questões da memória, tendo como referência o tempo e o espaço social realizamos a “I Oficina Espaço-tempo e memória”, que aconteceu no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Acre (CAp/UFAC), no dia 07/06/2012.
          Participaram os bolsitas Andre Crisnei, Adriana Paiva, Bruna Silva, Janete Cavalcante, Jorgeane Oliveira, Maria Kedma Carvalho, além da ex-bolsista Pet Alessandra Viana, atualmente professora de Educação Física no CAp. Estiveram também conosco nossos meninos João Batista e João Lucas.
          Iniciamos o trabalho com uma roda de conversa sobre os objetivos da oficina e sua importância na formação profissional dos petianos, além de trazer elementos para reflexão de suas trajetórias pré-profissionais.
          Comecei a vivência pedindo que se posicionassem no espaço, onde cada um procuraria se colocar da forma mais confortável possível. Neste momento iniciei a sonorização da vivência colocando músicas previamente selecionadas[1], com intuito de levá-los à um estado de relaxação e proporcionar as condições para uma viagem ao passado, tendo os seguintes elementos norteadores:
1. Infância – brinquedos e brincadeiras;
2. Escolarização: alfabetização, ensino fundamental e médio;
3.  Escolha profissional: vestibular e curso de formação inicial. 
          Além disso, todos esses elementos deveriam trazer a marca da formação cultural, histórica e social de cada participante, ou seja, de sua identidade.
Relaxação dirigida - com música


          Em literatura se diz que a ação “é o conjunto de acontecimentos que acontecem num determinado espaço e tempo”, a presença de ação é o primeiro elemento essencial ao texto narrativo.
          Após a atividade de relaxação solicitei que todos selecionassem dentre os materiais disponíveis (papel madeira, cola, tesoura, papéis coloridos, fita adesiva, tinta, pincéis, canetinhas, lápis de cor e de cera) e os materiais que eles trouxeram para a oficina (fotos, objetos diversos) para a montagem de um texto com os 3 elementos elencados acima.

Seleção dos materiais

          Depois, individualmente todos começaram a produção de seus textos para exposição ao grupo.
Produção textual 
          Roland Barthes, mestre no estudo da narrativa, afirma que "a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades, começa com a própria história da humanidade. (...) é fruto do genio do narrador ou possui em comum com outras narrativas uma estrutura acessível à análise".
         O fio condutor da narrativa era a memória (individual, social) tendo como pano de fundo o tempo (infância, escolarização, formação profissional, perpectivas de futuro profissional) e o espaço social de cada petiano.
Texto narrativo 
            Em Física se define espaço-tempo (grafado dessa maneira) como uma estrutura que combina as três dimensões do espaço com a dimensão única do tempo.
         Pontos no espaço-tempo são chamados de "eventos", um evento é qualquer fenômeno que ocorre no espaço-tempo, pois, os eventos ocorrem em uma posição única e em um instante de tempo único.

Ilustração da curvatura do espaço-tempo
 
                A teoria da relatividade especial de Einstein baseia-se na ideia dos referenciais. Um referencial é simplesmente "onde a pessoa está".
 
 
               Mas, por que estamos falando de espaço-tempo?
          De acordo com o filósofo Gilles Deleuze (2006)[1]:
Construímos o presente sobre a experiência dos fatos passados e estamos, permanentemente, arquitetando o futuro tendo por substrato os alicerces e a experiência do passado-presente. O tempo seria um permanente presente, que não tem fim nem começo, que se alonga do infinito anterior à eternidade que se projeta para o sempre além. O ser e o tempo-espaço...O ser no tempo-espaço unívoco. Tempo e espaço ontologicamente unificados no ser.
 
 representação do infinito
Assim, as análises que fazemos sobre o passado são influenciadas pela temporalidade. O tempo orienta perspectivas sobre o passado, avaliações sobre o presente e projeções sobre o futuro. É por isso mesmo que nosso olhar através do tempo traz em si a marca da historicidade.
Texto Janete
            
O tempo social da História é aquele que, segundo Delgado (2003, p. 12): “(...) considera as ações humanas como inscritas em uma simultaneidade interna à sociedade”, e na dinâmica da temporalidade, o que é específico é também múltiplo.
Texto Adriana
 
          Buscamos nesta oficina uma perspectiva crítica da noção de identidade, fundamentada no sujeito pensante que estende, segundo Deleuze (2006, p. 272) "(...) ao conceito seus concomitantes subjetivos, a memória, a recognição, a consciência de si".
 
Texto Kedma
         
          Inspirados no filósofo da diferença, do sentido, do desejo e da multiplicidade, compreendemos que acabamos por suportar:
(...) o peso da circulação das opiniões dominantes que nos fazem prisioneiros de um horizonte relativo e imóvel, como se não pudéssemos suportar os movimentos e velocidades infinitas da imanência, de um horizonte absoluto (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 67-68).
Texto André
 
          O verdadeiro pensamento se pensa em si mesmo, essa espécie de pensamento atinge seu objetivo no próprio ato de pensar (LISPECTOR, 1998, p. 81)
Texto Jorgeane
          Diz Deleuze (2006, p. 280):
(...) o passado coexiste com o presente que ele foi; o passado se conserva em si, como passado em geral (não cronológico)
Texto Bruna
 
          Prossegue Deleuze (2006, p. 280): "(...) o tempo se desdobra a cada instante em presente e passado, presente que passa e passado que se conserva".
Texto Alessandra
         
No entendimento de Delgado (2003, p. 12):
(...) Se o tempo confere singularidade a cada experiência concreta da vida humana, também a define como vivência da pluralidade, pois em cada movimento da história entrecruzam-se tempos múltiplos, que acoplados a experiência singular/espacial lhe conferem originalidade e substância.
Texto João
João fez um texto, e para ele aquela oficina era uma brincadeira, mas, também tinha aspectos de seriedade - embora para nós fosse trabalho e também diversão.
Por isso entendemos que a  importância das brincadeiras é que humanizam as crianças e possibilitam-lhes ao seu modo, e ao seu tempo, compreender e realizar, com sentido, sua natureza humana, bem como o fato de pertencerem a uma família e a uma sociedade em determinado tempo histórico e cultural.
A criança que brinca tem o domínio da linguagem simbólica. A brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da realidade anteriormente vivenciada, como veremos no que foi expresso no texto de João, e que resume nossa oficina de espaço, tempo, memória.
Nesse sentido, podemos conferir no texto de João uma síntese do trabalho que realizamos, ele fez um envelope, em que estava escrito:
  Para todos os meus queridos amigos do meu coração, eu mando essa carta com muito amor. Flores nascem em várias estações, mas a boa amizade não tem estações. Ela floresce no coração de um bom amigo.
Envelope da carta do João
    Dentro do envelope havia uma carta, onde estava escrita a seguinte mensagem com ilustrações:
João Batista Trindade de Albuquerque e meus amigos. A importância de como criar a amizade é como uma semente que cresce no coração.
  • semente
  • germinação
  • floração
  • frutos
  • amizade
          Sara Vida (balão): "plante a semente da amizade":
          Boneco de neve: "deixe germinar dentro do seu coração";
          Alessandra: "e uma hora terá frutos"
          Eu: "deixe florescer"
          Vovó: "e ficará grande e firme
Carta do João 
          E assim terminamos mais um trabalho de aprendizagem e colaboração, tendo as crianças como nossos maiores professores. Valeu pela experiência pessoal. Um forte abraço e não esqueçam, vamos retomar estes textos com o feedback deste dia e refazer a apresentação em outros termos, desta vez mais ampliados.



[1] LISPECTOR, Clarisse. Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

[2] Compreendido na própria essência do todo.

[3] DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz B. L. Orlandi e Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2006

[4] Relaxação (Vangelis – Oceanic); Infância (Villa-Lobos & Os brinquedos de roda – Grupo de percussão da UFMG & Coral Infantil da Fundação Clóvis Salgado


[5] Espaço social - conceito utilizado por Jean-Claude Passeron no livro O raciocínio sociológico (1994). O espaço social surge em oposição ao espaço cartesiano (no qual é possível encontrar qualquer objeto através de sua localização em coordenadas dadas e fixas). Já no espaço social, a localização que se pretende é a dos agentes sociais; localizá-los envolve um sistema de identidades e de volume da acumulação de capital(is) simbólico(s). Esta mesma acumulação distingue o agente social no espaço social, permitindo assim localizá-lo em relação a outros agentes sociais, qual o volume de acúmulo de capital realizado por estes, quais suas prováveis estratégias de ação e qual sua trajetória no campo social.